sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Urnas sujas

DIAS, Maurício

DIAS, Maurício. A mentira das Urnas. Rio de Janeiro: Record, 2004.


Resenha dos Capítulos I e II (pág. 07 a 59)


O jornalista Mauricio Dias, com passagens pelas revistas Veja, Isto É e Senhor, atualmente colaborador da Carta Capital, traça um histórico do processo eleitoral e seus vícios desde o Império até as eleições presidenciais de 2002. O autor deveria ser, ao contrário de sua citação inicial, mais historiador que aventuroso e mais especulativo do que um jornalista.

Uma das principais características desta primeira parte do livro é não fazer um acompanhamento cronológico dos fatos, tomando a liberdade de ir e vir no tempo, relatando fatos pitorescos, extraídos de matérias jornalísticas ou livros de memórias, que ilustram muito bem os temas abordados.

Começando com um dialogo imaginário entre o historiador italiano Norberto Bobbio (1910-2004) e Machado de Assis (1839-1908) ressalta a importância do poder do dinheiro nas eleições, sendo que este poder está longe de ser resolvido mesmo em processos ditos democráticos.

A primeira parte do livro apresenta dados substanciais de processos corruptos no sistema eleitoral brasileiro, desde a época do segundo reinado.

Mostra de forma clara que a eleição no Brasil, tem um grau de contaminação produzida pelo dinheiro, que falseia a representação. O dinheiro deturpa e, em certos casos determina a vontade do eleitor. A eleição deixa de refletir a livre vontade do cidadão e passa a ser uma mentira, produzida pelo medo e recebimento de cestas básicas.

Ressalta de forma clara e concisa, pensamentos opostos de políticos de períodos diversos, sempre focando o sistema eleitoral desvirtuado.

Retrata a mudança de imagem do político, como na citação:


O coronel é uma pessoa que comanda a política nacional, porque é ele que elege os homens que a fazem. O coronel mudou a “embalagem” e hoje é o médico, o comerciante, o advogado, o engenheiro, o industrial. 01


Vale ressaltar a mudança também no voto de cabresto, que hoje é chamado de voto de gratidão.

Mesmo com o passar do tempo, a mudança dos costumes, a urbanização do país e o nascimento da Justiça Eleitoral em 1932, o processo no Brasil ainda passa por vícios, pois essa mesma Justiça contenta-se com um controle formal das prestações de contas,.

Reforma-se a lei sem conseguir-se romper o bloqueio formado pelo Clube dos Eleitos, onde há a convicção de que o sistema representativo não deve ser a expressão da vontade popular, e sim a seleção dos melhores, dos mais esclarecidos e dos mais virtuosos” .02

Citando Rui Barbosa e Afonso Arinos, para quem o dinheiro e as pressões sociais dificultam o eleitor mais humilde e desinformado a escolher um candidato comprometido com suas necessidades, sendo que ele irá simplesmente cumprir ordens dos mais poderosos.

Segundo uma pesquisa feita na cidade de Campinas-SP em 2002, foi levantado que 25% dos eleitores estariam dispostos a vender seu voto.

Em outro caso, o Ministério Público reuniu provas contra um candidato que cortava notas de R$ 50 para serem entregues metade antes das eleições e metade após a confirmação da vitória.

O autor, apesar dos fatos relatados, exime de responsabilidade os eleitores que na sua visão, são sempre vitimas do poder econômico e de políticos inescrupulosos.

O segundo capitulo relata o caminho do Partido dos Trabalhadores na captação de recursos para as campanhas de Lula à Presidência da Republica.

Utilizando-se das prestações de contas dos candidatos junto à Justiça Eleitoral, demonstra a metamorfose do PT quanto aos seus financiadores.

Em 1989 não há contribuições de empresas à campanha de Lula, sendo quase todo dinheiro arrecadado pela militância petista.

Já em 1994, aparecem bancos e empreiteiras (ainda grandes opositores do partido) em suas prestações de contas.

Em 1998 e 2002 o PT perde definitivamente a inocência e aceita doações de grandes corporações assim como faziam seus adversários.

Neste capitulo, o autor continua a utilizar fatos pitorescos da política brasileira para comprovar o poder do dinheiro no nosso processo eleitoral.

Relata uma conversas entre PC Farias e Fernando Collor:


- Você tem dinheiro para fazer uma campanha presidencial?

- Minha mãe me deu 100 mil dólares.....

- Mas só isso?

-Quando eu começar a campanha, vem mais.03


Fernando Henrique colocou Bresser Pereira como tesoureiro de campanha, pois o considerava muito ingênuo para roubar.

O PT teve R$ 6 mil em cheques devolvidos de militantes com boa vontade e sem dinheiro.

O autor conclui que a escalada de orçamentos milionários das campanhas é fruto do marketing excessivo causado pela televisão.


01 – entrevista publicada em março de 1980 em O estado de São Paulo citada em Vende-se um Candidato, de Maria Regina Adoglio Neto


02 – Raymundo Faoro. Op. Cit, vol 2, pag. 371.


03 – Mario Sergio Conti. Notícias do Planalto: SP. Companhia das Letras, 1999, p. 126



CRIMINOSOS LEILOAM COMUNIDADES


Jornal O Globo 29/08/2008


Um vereador denunciou ao jornal que traficantes e milicianos estão vendendo acesso a favelas do Rio, recriando assim, os currais eleitorais sendo que quem paga tem direito de ser o único candidato a fazer campanha na comunidade. A denúncia não chegou ao TRE por medo de represália.

Segundo o deputado federal Raul Jungmann, a tentativa de influenciar o voto faz parte da estratégia de ganho de poder político para interferir em decisões governamentais. Se bem sucedidas aumentariam o lucro em negociatas ilegais, interfeririam em decisões sobre não enfrentamento ao tráfico e a milícia, já que o estado ficaria inerte.

Estudos sociológicos e políticos apontam para a substituição da “política da bica d’água” pela “da ponta do revólver”.

O eleitor não pode ser responsabilizado sozinho, pois os partidos políticos dão legenda a candidatos com essa postura somente para receber dividendos eleitorais.

A cientista política Maria Cecília D’Araujo diz não acreditar que esse fenômeno seja permanente, mas para isso depende da reação do estado, que tem que impedir a desmoralização das instituições.

A violência está conseguindo mudar nome de candidatos e principalmente a profissão quando do registro no TRE. Um policial militar inscreveu-se como servidor público, já que as fichas podem ser consultadas pela internet.


Análise crítica da matéria baseada no livro:


A matéria mencionada encontra todo respaldo no livro, tendo em vista que a truculência e violência em busca de um lugar na política nacional, não mede esforço de pessoas que tem um único interesse: conseguir eleger-se para cargos públicos onde poderão aumentar seus rendimentos em detrimentos de outros.

Ambos fazem um relato dos fatos acontecidos sem sentimentalismo, ou opinião própria, limitando-se a narrarem os fatos.

O coronelismo está se revelando nos patriarcados e matriarcados (esse último em menor número) políticos. Hoje no Brasil, o legado político é deixado como herança: filhos e filhas seguem os passos dos pais, já eleitos para que suas famílias continuem no poder.

Enquanto na década de 60 não interessava que o ensino prosperasse, pois quanto menos escolaridade, mais frágil se tornava o cidadão para o aliciamento da venda de votos, hoje a violência cala o cidadão e obriga as autoridades a tomarem medidas extremas, como a proibição da entrada de celulares nas cabines de votação, para que o eleitor sinta-se livre para exercer sua cidadania, pois os “donos dos votos” estariam pressionando a população de comunidades a fotografarem com o celular seu voto, para que eles tivessem a certeza de sua vitória.

O autor do livro fez uma pesquisa para detalhar o nosso sistema eleitoral em várias décadas, e o jornal, através de uma série de reportagens, apresenta um retrato do momento atual.

Nenhum comentário: